Concorrência insuficiente e desvirtuada na oferta de cursos de medicina no Brasil

Concorrência insuficiente e desvirtuada na oferta de cursos de medicina no Brasil

Quinta-feira, 18 de Fevereiro de 2021
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No período de pandemia da Covid-19, o povo brasileiro passou a se deparar com um emaranhado de normas relativas à saúde pública e um questionamento intrínseco: existe algum motivo legal para a escassez de profissionais da saúde no Brasil, especialmente médicos? Esse questionamento emerge porquanto fora escancarado como um dos maiores gargalos para o enfrentamento da doença no nosso país.
Concorrência insuficiente e desvirtuada na oferta de cursos de medicina no Brasil

José Barroso Filho

Ministro Vice-Presidente Do Superior Tribunal Militar;

Magistrado Há 30 Anos Com Atuação Nas Áreas Estadual E Federal Em Todas As 5 Regiões Do Brasil, Em Especial, Registrando 09 Anos De Magistratura Na Região Amazônica

Conselheiro Do Conselho Nacional De Educação;

Ex-Conselheiro Do Conselho Nacional De Política Criminal E Penitenciária;

Integrante Do Projeto Rondon Registando Participação Em 16 Operações Incluindo Operações De Assistência Hospitalar À População Ribeirinha – Asshop Na Região Amazônica

Integrante Como Observador Do Grupo De Trabalho Araguaia - Gta, Do Grupo Especial De Fiscalização Móvel Combate Ao Trabalho Escravo - Gefm

Missões Oficiais: Portugal, Espanha, India, Haiti E Estados Unidos Da América;

Professor De Graduação E Pós-Graduação;

Autor De Várias Obras (Artigos E Livros)

Palestrante Em Eventos Nacionais E Internacionais

 

Introdução

No período de pandemia da Covid-19, o povo brasileiro passou a se deparar com um emaranhado de normas relativas à saúde pública e um questionamento intrínseco: existe algum motivo legal para a escassez de profissionais da saúde no Brasil, especialmente médicos? Esse questionamento emerge porquanto fora escancarado como um dos maiores gargalos para o enfrentamento da doença no nosso país.

Diversos estudos demonstram a existência de um grande déficit de profissionais na área da saúde no mundo todo, a exemplo do relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde (https://www.who.int/hrh/resources/pub_globstrathrh-2030/en/), em que aborda uma estratégia global de recursos humanos para a saúde até 2030, apontando a necessidade de políticas públicas para todos os países que fazem parte da OMS, incluindo o Brasil. São diversos os motivos da escassez de médicos, de acordo com a OMS, mas há um motivo explícito que é comum a todos os países, o subinvestimento crônico na educação de profissionais de saúde e o êxodo contínuo dos médicos para os grandes centros. Essa é uma realidade no Brasil.

Amiúde à situação acima, também é necessário analisar as decisões judiciais recentes sobre a inserção de profissionais da área da saúde para fazer frente à pandemia da Covid-19. Nesse contexto, pode-se constatar que as maiores demandas judiciais emergiram em função da Medida Provisória n.° 934, de 1º de abril de 2020, que abriu a possibilidade de que as instituições de ensino superior abreviassem, mediante o cumprimento de determinados requisitos, a duração dos cursos de Medicina, Farmácia, Enfermagem e Fisioterapia. Trata-se, evidentemente, de uma prerrogativa que as instituições possuem e que essa antecipação da colação de grau permitiria que os novos profissionais atuassem no combate à pandemia da Covid-19. Com a conversão da referida Medida Provisória na Lei n.° 14.040, de 18 de agosto de 2020, a possibilidade de antecipação da colação de grau também se estendeu ao curso de Odontologia. Em virtude dessas alterações legais, aquilo que era uma mera prerrogativa das instituições de ensino passou a ser judicializado como se obrigatório fosse.

Nesse cenário, cotejando as conclusões da OMS e as ações judiciais recentes para fazer frente à pandemia, pode-se inferir que não são procedimentos convergentes, pois as ações previstas na referida legislação não se trata necessariamente de um reforço de profissionais na área da saúde, mas apenas uma antecipação de colação de grau de forma descoordenada. Ainda não é possível entender, por exemplo, como um cirurgião dentista atuaria no combate à pandemia da Covid-19!

Analisando mais detidamente a legislação, constata-se outro dado que aparenta ser bastante assustador. O Ministério da Educação (MEC) editou a Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, que suspendeu por cinco anos a publicação de editais de chamamento público para autorização de novos cursos de graduação em Medicina, nos termos do art. 3º da Lei n° 12.871, de 22 de outubro de 2013, e o protocolo de pedidos de aumento de vagas em cursos de graduação em Medicina ofertados por instituições de educação superior vinculadas ao sistema federal de ensino. O MEC suspendeu a abertura de novos cursos de medicina e novos pedidos de aumento de vagas dos cursos de medicina pelo prazo de 5 (cinco) longos anos, ou seja, até abril de 2023.

 Como é cediço, o Curso de Medicina segue um fluxo regulatório diferente dos demais cursos de graduação, devendo ser autorizado por meio de editais de chamamento público decorrente da Lei n.° 12.871, de 2018, que instituiu o chamado Programa Mais-Médicos. No entanto, com a Portaria n.° 328, de 2018, toda e qualquer possibilidade de aumento de novos profissionais médicos se torna remota.

Ora, como suspender a abertura de novos cursos de Medicina e o aumento de novas vagas num período em que mais se precisa de médicos no país? Não se imagina que essa pandemia vá se encerrar antes do final deste ano, pois é evidente que estamos longe de um período vacinal completo.

Se considerarmos que os cursos de Medicina são ofertados em sua maioria por instituições privadas de ensino superior, restringir a oferta pode se afigurar não somente danoso para grande parte da população, mas também pode evidenciar uma perigosa concentração da oferta do curso de Medicina em poucas instituições de ensino superior, notadamente aquelas que só trabalham exclusivamente com cursos na área de saúde. Este fato pode igualmente evidenciar um novo tipo de ato de concentração que deve ser perscrutado e legalmente rechaçado.

Em outras palavras, a pandemia da Covid-19 evidenciou a falta de médicos no país e a oferta concentrada do curso de Medicina, com aval do Ministério da Educação por meio de uma sistemática que proíbe novas ofertas e o pedido de aumento de novas vagas por cinco longos anos. É justamente esse o escopo da presente análise, considerando uma situação fática (pandemia da Covid-19) e o agravamento sanitário decorrente da falta de médico no país.

I - Contextualização do Sistema Regulatório do Ensino Superior no Brasil

A atividade educacional, no Brasil, é essencialmente uma função pública, mas não é privativa do Estado, conforme dispõe a Carta Magna, em seu artigo 205 e 206, III. Tal fato enseja a prestação da educação direta pelo Estado, com a participação da sociedade, bem como a prestação pelo particular, sem prejuízo da colaboração entre ambos, mediante técnicas de fomento ou parcerias (CF, art. 209). Em qualquer situação, prevalece a atuação controladora e intervencionista do Estado.

A Constituição brasileira de 1988 introduz o tema da avaliação de forma definitiva no cenário da educação ao definir na seção I – Da Educação, do capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, art. 209, que “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas, entre outras, as seguintes condições”:

I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II – autorização e avaliação de qualidade pelo poder público.

Em 1996, sob a influência do então Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, documento que assentava os fundamentos teóricos das reformulações pretendidas e se baseava no modelo regulatório norte-americano, foi criada a Lei n.° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelecia as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A LDB ratificava as condições estabelecidas pela Carta Magna, sobretudo na perspectiva de que toda autorização de funcionamento de instituição e cursos dependeriam exclusivamente da avaliação da qualidade pelo poder público.

Como corolário das competências legislativas, a estrutura do sistema educacional brasileiro assenta sobre o modelo do Estado Federal. Nesse sentido, percebe-se que a lei de diretrizes e bases da educação nacional representa o regramento em nível nacional, correspondendo à articulação e coordenação dos sistemas de ensino. Por outro lado, a competência para edição de normas em matéria de educação e ensino prevista no artigo 24, IX garante a atuação dos Estados no tratamento de questões específicas, importante instrumento para atender a variedade de situações decorrentes da extensão e das desigualdades do País.

Da mesma forma, as regras de autorização foram estatuídas de forma clara na LDB, considera como a norma geral da educação nacional, segundo a qual toda autorização está vinculada à respectiva avaliação, ou seja, o ato regulatório de autorizar a abertura de uma instituição de ensino superior e seus cursos está vinculado estritamente à avaliação dos critérios educacionais da referida instituição, conforme dispõe os art. 45 e 46 da LDB:

Art. 45. A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização.   

Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.

No mesmo sentido, a LDB estabeleceu as atribuições do Conselho Nacional de Educação (CNE) e implantou oficialmente as avaliações periódicas de instituições e de cursos de nível superior. Surgiu então o Exame Nacional de Cursos (ENC – “Provão”), aplicado entre 1996 e 2003.

Também em outubro de 1996, o Governo Federal editou o Decreto n. 2.026, dispondo sobre um sistema nacional de avaliação da Educação Superior e definindo os indicadores mínimos de desempenho global do sistema, os procedimentos e os critérios mínimos para a avaliação individual das instituições e para a avaliação das condições de oferta dos cursos de graduação.

Em 2004, foi publicada a Lei n.° 10.861, de 14 de abril de 2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), o qual inclui a avaliação das instituições e dos cursos de graduação e do desempenho dos estudantes. Além de articular regulação e avaliação educativa, essa lei contém princípios indispensáveis para a construção de um grande sistema de avaliação da Educação Superior em âmbito nacional, por exemplo, o respeito à diversidade e às características das diferentes IES. Por meio da Lei do Sinaes, foram estabelecidas as diretrizes para a implantação de uma avaliação voltada à construção de um sistema de qualidade para a Educação Superior do País.

Em 9 de maio de 2006, foi publicado o Decreto n. 5.773, que dispôs sobre as funções de regulação, supervisão e avaliação da Educação Superior, estabelecendo a regulação setorial ao tratar das diferentes competências e funções dos órgãos governamentais envolvidos com “atos administrativos autorizativos do funcionamento de instituições de educação superior e de cursos de graduação e sequenciais”. Quanto à avaliação, esse decreto define que aquela realizada pelo Sinaes constituirá referencial básico para os processos de regulação e supervisão da Educação Superior, a fim de promover a melhoria de sua qualidade.

Em maio de 2017, foi editado o Decreto n. 9.057, de 25 de maio de 2017, que regulamentou o art. 80 da Lei 9.394, de 1996, a LDB, ou seja, regulamentou o chamado ensino a distância, conforme será explicitado adiante. O Decreto n. 9.057, de 2017, estabeleceu um regramento mais amplo e seguro para as instituições, sobretudo porque trata o ensino a distância da mesma forma como o ensino presencial, inclusive no que tange ao aspecto avaliativo.

Imbuído do mesmo espírito, em 18 de dezembro de 2017, o executivo federal também editou o Decreto n. 9.235, o qual também dispôs sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. Conforme explicam os Professores José Roberto Covac e Daniel Cavalcante Silva, “o novo decreto trouxe várias inovações no sistema regulatório educacional brasileiro, sobretudo no que tange às novas previsões relacionadas às organizações acadêmicas, credenciamento e recredenciamento institucional, oferta de pós-graduação e, principalmente, a nova sistemática dos processos administrativos de supervisão”.

Os processos de avaliação, regulação e supervisão ocorrem nos termos da portaria normativa que instituiu o e-MEC, sistema eletrônico de fluxo de trabalho e gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação da Educação Superior no sistema federal de ensino.

Com base nesse contexto histórico-legal, pode-se inferir que os mecanismos de regulamentação setorial das IES no Brasil se confundem com os mecanismos de avaliação dessas instituições feitas pelo MEC, pois o modelo de regulação adotado para as IES foge do modelo idealizado inicialmente para a ação estratégica de regulação.

Pode-se inferir que o Estado brasileiro contemporâneo passou a ter presença expressiva no campo da educação superior, pois: planeja, define políticas e as executa; legisla; regulamenta; interpreta e aplica a legislação, por meio dos Conselhos de Educação; financia e subvenciona o ensino, a pesquisa e a extensão de serviços; mantém universidades e demais instituições públicas de ensino superior; oferece diretamente ensino de graduação e pós-graduação; autoriza, reconhece, credencia, recredencia, supervisiona cursos e instituições; determina sua desativação; avalia alunos, cursos e instituições, em todo o País; interfere na organização do ensino; estabelece diretrizes curriculares etc.  Tudo se dá nas esferas pública e privada e em relação a todos os sistemas de ensino.

Diferentemente das ações adotadas pelas agências reguladoras já conhecidas no País, cujas funções públicas passaram a ser exercidas com eficiência e inteligibilidade, a regulação adotada pelo MEC para as IES inclui mecanismos que sempre existiram, como a avaliação e a supervisão de instituições e cursos superiores. Nessa sistemática, o MEC estruturou três funções para suas ações educacionais: avaliação, regulação e supervisão, todas interconectadas e baseadas no pressuposto de que cada avaliação passa a ser referencial básico para regulação.

Desta feita, o resultado das avaliações de instituições e cursos superiores é um pressuposto para que o MEC possa emitir atos regulatórios (por exemplo, autorização de um novo curso) ou penalizar por meio de atos de supervisão (por exemplo, suspensão de novos ingressantes em determinado curso). Essa é o contexto geral da regulação do ensino superior no Brasil.

 

II – A Sistemática Legal da Oferta de Cursos de Medicina no País: Necessidade de Tratamento Isonômico Entre Universidades Públicas e Privadas

A Lei n.° 10.861, de 14 de abril de 2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), estabelece que toda avaliação passa a servir de referencial básico para a regulação e a supervisão. Com isso, conforme já referendado, o resultado das avaliações de instituições e cursos torna-se o referencial para o padrão decisório do Ministério da Educação nos atos regulatórios (por exemplo, autorização de um novo curso) ou nos procedimentos de supervisão (suspensão de novos ingressantes em determinado curso).

O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), é responsável pela regulação, dividindo os atos destinados exclusivamente a instituições (credenciamento e recredenciamento) dos destinados exclusivamente a cursos (autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento).

Para iniciar suas atividades, as Instituições de Ensino Superior (IES) devem solicitar credenciamento perante o Ministério da Educação, o qual é realizado com base na análise documental e na avaliação in loco feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Sob pena de indeferimento do pedido de credenciamento, tanto a entidade mantenedora como a mantida devem apresentar ao MEC os documentos exigidos, conforme o Decreto n. 9.235, de 2017, e deverá ser acompanhado do pedido de autorização de pelo menos um curso superior de graduação, conforme previsão expressa no art. 18 do referido Decreto:

Art. 18. O início do funcionamento de uma IES privada será condicionado à edição prévia de ato de credenciamento pelo Ministério da Educação.

  • 1º O ato de credenciamento de IES será acompanhado do ato de autorização para a oferta de, no mínimo, um curso superior de graduação.
  • 2º É permitido o credenciamento de IES para oferta de cursos na modalidade presencial, ou na modalidade a distância, ou em ambas as modalidades.

Quando uma faculdade já credenciada deseja abrir um novo curso, deve pedir autorização ao MEC. Em sua análise, o Ministério julga segundo os recursos de avaliações disponíveis, com base em padrões decisórios que levem em consideração a organização didático-pedagógica, o corpo docente e técnico-administrativo, as instalações físicas, os critérios legais e outras exigências decorrentes do instrumento. Somente universidades, centros universitários e algumas faculdades (PN MEC nº 20/2017 – art. 28) possuem autonomia para abrir cursos de graduação sem se submeterem ao penoso processo formal de autorização. Há restrições que impedem o uso da autonomia, na legislação atual, somente para cinco cursos regulares de graduação: direito, medicina (este curso está com rito excepcional), enfermagem, psicologia e odontologia. Em todos os demais casos, as instituições com autonomia podem, a seu critério, autorizar quaisquer cursos de graduação.

Os requisitos para os pedidos de autorização de cursos de graduação também estão previstos no Decreto n.° 9.235, de 2017, seguindo um fluxo processual previsto no art. 42 do referido Decreto, que estabelece:

Art. 42. O processo de autorização será instruído com análise documental, avaliação externa in loco realizada pelo Inep e decisão da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação.

  • 1º A avaliação externa in loco realizada pelo Inep poderá ser dispensada, por decisão do Secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação, após análise documental, mediante despacho fundamentado, conforme regulamento a ser editado pelo Ministério da Educação, para IES que apresentem:

I - CI igual ou superior a três;

II - inexistência de processo de supervisão; e

III - oferta de cursos na mesma área de conhecimento pela instituição.

  • 2º A avaliação externa in loco realizada pelo Inep de grupos de cursos, de cursos do mesmo eixo tecnológico ou área de conhecimento será realizada por comissão única de avaliadores, conforme regulamento a ser editado pelo Ministério da Educação.
  • 3º Os processos relativos a cursos experimentais e a cursos superiores de tecnologia considerarão suas especificidades, inclusive no que se refere à avaliação externa in loco realizada pelo Inep e à análise documental.
  • 4º No caso de curso correspondente a profissão regulamentada, após a fase de avaliação externa in loco , realizada pelo Inep, será aberto prazo para que o órgão de regulamentação profissional, de âmbito nacional, possa manifestar-se em caráter opinativo.
  • 5º O prazo de que trata o § 4º será de trinta dias, contado da data de disponibilização do processo ao órgão de regulamentação profissional interessado, prorrogável uma vez, por igual período, mediante requerimento.

 Em que pese a acuidade e zelo dos procedimentos de autorização de cursos superiores no Brasil, os mesmos não se aplicam ao Curso de Graduação em Medicina, que possui um fluxo procedimental extremamente complexo e passível de diversas discussões judiciais, assim como tem ocorrido nos últimos anos. É importante consignar que as Universidades Públicas não passam pelo calvário regulatório para abrirem cursos de medicina, nem muito menos solicitarem aumento de suas vagas.

Por outro lado, desde o ano de 2013, quando o Governo Federal editou a Medida Provisória n.° 621, de 8 de julho de 2013, convertida na Lei n.° 12.871, de 22 de outubro de 2013, que instituiu o Programa Mais Médicos, toda a sistemática de autorização dos cursos de medicina foi alterada. A alteração principal está prevista no art. 3º da referida legislação, que dispõe:

Art. 3º A autorização para o funcionamento de curso de graduação em Medicina, por instituição de educação superior privada, será precedida de chamamento público, e caberá ao Ministro de Estado da Educação dispor sobre:

I - pré-seleção dos Municípios para a autorização de funcionamento de cursos de Medicina, ouvido o Ministério da Saúde;

II - procedimentos para a celebração do termo de adesão ao chamamento público pelos gestores locais do SUS;

III - critérios para a autorização de funcionamento de instituição de educação superior privada especializada em cursos na área de saúde;

IV - critérios do edital de seleção de propostas para obtenção de autorização de funcionamento de curso de Medicina; e

V - periodicidade e metodologia dos procedimentos avaliatórios necessários ao acompanhamento e monitoramento da execução da proposta vencedora do chamamento público.

Os Editais de Chamamento Público, como critério para autorização do curso de Medicina, são estabelecidos pelo Ministério da Educação e leva em consideração, no que couber, a legislação sobre licitações e contratos administrativos e exigirá garantia de proposta do participante e multa por inexecução total ou parcial do contrato, conforme previsto, respectivamente, no art. 56 e no inciso II do caput do art. 87 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Licitações).

Por outro lado, considerando a hipótese de criar os critérios de seleção, a autorização de Cursos de Medicina por meio de Editais de Chamamento Público atribui ao MEC um ato discricionário para a escolha do vencedor dos certames. É discricionário o ato quando a lei confere liberdade ao administrador (MEC) para que ele proceda a avaliação da conduta a ser adotada segundo critérios de conveniência e oportunidade, as quais foram judicializadas em todos os Editais realizados. 

Da mesma forma, a conveniência e oportunidade no lançamento de novos Editais de Chamamento Público para a autorização de novos Cursos de Medicina esbarram em uma conhecida pressão exercida pelo Conselho Federal de Medicina, que sempre se opôs à abertura de novos cursos. Essa conveniência e oportunidade se traduzem numa restrição indevida e que privilegia grandes grupos educacionais, sobretudo aqueles que são focados nas áreas de saúde.

Para piorar ainda mais a situação, além da restrição acima, o Ministério da Educação editou a Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, que dispõe:

Art. 1º Fica suspensa por cinco anos a publicação de editais de chamamento público para autorização de novos cursos de graduação em Medicina, nos termos do art. 3º da Lei n° 12.871, de 22 de outubro de 2013, e o protocolo de pedidos de aumento de vagas em cursos de graduação em Medicina ofertados por instituições de educação superior vinculadas ao sistema federal de ensino, de que trata o art. 40 do Decreto no9.235, de 15 de dezembro de 2017.

Parágrafo único. A suspensão do protocolo de pedidos de aumento de vagas de que trata o caput não se aplica aos cursos de Medicina autorizados no âmbito dos editais de chamamento público em tramitação ou concluídos, segundo o rito estabelecido no art. 3º da Lei nº 12.871, de 2013, e aos cursos de Medicina pactuados no âmbito da política de expansão das universidades federais, cujos pedidos de aumento de vagas poderão ser solicitados uma única vez e analisados de acordo com regras e calendário específicos, a serem definidos pelo Ministério da Educação - MEC.

O MEC suspendeu a abertura de novos cursos de Graduação em Medicina pelo prazo de cinco longos anos, ou seja, até 18 de abril de 2023, além da suspensão dos pedidos de aumento de vagas pelo mesmo período. O parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que o pedido de aumento de vagas não se aplica para os editais de chamamento público, os quais já foram todos encerrados, e nem para as Universidades Federais, ou seja, as únicas entidades que podem solicitar o aumento de vagas.

A Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, estabelece um critério não isonômico para os pedidos de aumento de vagas, pois não apresenta justificativa técnica e nem critérios legais para afastar uma diferenciação claramente arbitrária e injustificável. Por que só as Universidades Públicas podem pleitear o aumento de vagas nos seus cursos de medicina? Esse questionamento, por si só, já rechaça a falta de isonomia do Ministério da Educação, sobretudo diante das novas perspectivas legais.

A falta de isonomia, para esses tipos de caso, pode ser inserida como clara violação ao princípio da moralidade administrativa, devidamente prescrito no caput do art. 37 da Constituição da República. Como bem lecionava o mestre José Afonso da Silva, “a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, por exemplo, com o intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.” A distinção na possibilidade de pedir aumentos de vagas nos cursos de Medicina não é amparada pelo princípio da moralidade administrativa.

Por outro lado, a Constituição Federal, em seu art. 170, parágrafo único, estabelece as bases constitucionais para o livre exercício das empresas:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

...

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. 

O parágrafo único do art. 170 da Carta Magna foi regulamentado pela Lei n.° 13.874, de 20 de setembro de 2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que possui como grande objetivo viabilizar o livre exercício da atividade econômica e a livre iniciativa, deixando evidente a intenção do legislador em garantir autonomia do particular para empreender.

A Lei de Liberdade Econômica (Lei n.° 13.874/2019) estabeleceu critérios para tentar amenizar o grau de intervenção estatal nas empresas e instituições, incentivando o desenvolvimento do mercado nacional. Para isso, a Lei estabeleceu a “Declaração de Direitos da Liberdade Econômica”, com o objetivo de promover a livre inciativa, impondo limites à regulação estatal da atividade econômica e conferir ampla liberdade no âmbito das relações civis paritárias com o poder público.

Com base nessas premissas, a Lei de Liberdade Econômica foi taxativa em seu art. 3º, IV, dispondo:

Art. 3º. São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

...

IV - receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica, hipótese em que o ato de liberação estará vinculado aos mesmos critérios de interpretação adotados em decisões administrativas análogas anteriores, observado o disposto em regulamento;

A chamada Lei de Liberdade Econômica determina de forma objetiva o tratamento isonômico de órgãos da administração pública, no caso, o Ministério da Educação, quanto ao exercício de atos de liberação de atividade econômica. Nesse caso, as instituições de ensino superior privadas devem ser tratadas isonomicamente nos seus pedidos de aumento de vagas para os cursos de Medicina, tal como é o tratamento dispensado às Universidades Federais.

A Lei de Liberdade Econômica proíbe peremptoriamente que as Universidades Públicas tenham tratamento diferenciado das Instituições Privadas de Ensino, pois isso é compreendido como um ato que viola o direito essencial da pessoa jurídica no desenvolvimento e crescimento econômico do país.

A Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, que suspende a abertura de novos cursos e pedidos de aumento de vagas em cursos de Medicina, foi publicada em outro contexto socioeconômico, motivo pelo qual a sua revogação se torna um ato necessário, sobretudo porque também viola claramente a Lei de Liberdade Econômica, conforme acima explicitado.

A manutenção do sistema de autorização de cursos de medicina no Brasil também traz outro efeito nefasto, o qual não é perceptível, pois adentra na seara da reserva de mercado e, por via de consequência, na clara concorrência desleal criada por um sistema que é feito para privilegiar grandes grupos educacionais, sobretudo aqueles que atuam exclusivamente com a área da saúde, conforme se verá adiante.           

 

III – Da concorrência desleal na oferta dos cursos de Medicina no Brasil

Normalmente, antecede à implantação de uma economia de mercado a existência de um Estado intervencionista, que empreende segundo suas próprias regras, impedindo a atuação dos agentes privados e da própria sociedade no desenvolvimento socioeconômico de um país. Disto se depreende que, historicamente, o Estado intervencionista se transforma num Estado regulador, de forma a garantir o interesse público, deixando o interesse privado para ser regulado pelos mecanismos de mercado, devidamente orientados para a competição. Somente um mercado regulado para a competição pode produzir os reais benefícios que se espera para a sociedade: disponibilidade de produtos e serviços, com qualidade, segurança e preços competitivos. Isto significa, em outras palavras, reservar ao Estado o estabelecimento de regras claras para o jogo, deixando aos capitais privados a tarefa de produzir. A atividade regulatória no País tem acompanhado, de um modo geral, o processo de atuação do Estado ao longo dos anos, uma atuação intervencionista que, mesmo tendo obtido resultados, impediu ou dificultou a participação de agentes econômicos no seu processo de desenvolvimento.

Pois bem, a participação estatal na educação superior atua exatamente de forma intervencionista na medida em que regula as formas de credenciamento de instituições e as respectivas autorizações para o funcionamento de cursos. Toda atividade educacional no ensino superior é regulada e com pouca margem de liberalidade para as instituições, de modo que existe um pressuposto de que a regulação no setor esteja voltada a atingir uma melhor eficiência econômica, seja no sentido de propiciar uma melhor distribuição de renda ou de promover a igualdade de participação da sociedade civil organizada por meio das instituições privadas.

Não obstante, ao criar regras regulatórias que distorçam a eficiência econômica no ensino superior, sem qualquer tipo de justificativa socioeconômica, o Estado pode passar a estabelecer regras regulatórias consideradas predatórias e prejudiciais a toda a sociedade. Essa premissa se torna comprovável na medida em que se pode aferir a criação de um sistema de concorrência desleal criado a partir da regulação dos cursos de medicina no país.

Como é cediço, a concorrência desleal é explicitamente prevista como tipificação penal no art. 195 da Lei n.° 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial (LPI). A referida legislação é a base do direito antitruste, que ora nos servimos subsidiariamente para efeito de análise. Por definição legal, a competição desleal só existe quando o “desvio de clientela” ocorra por meio de uma conduta antijurídica, conforme previsto no referido art. 195, compreendido como concorrência desleal específica.

No entanto, o art. 209 da LPI estabelece a circunstância em que é possível que ocorram atos de concorrência desleal não previstos na Lei, assim como acontece nos processo de regulação dos cursos de Medicina no Brasil. É a chamada a concorrência desleal genérica, também chamada de extracontratual é mais difícil de ser identificada e sancionada, posto que não há legislação especial que trata da mesma, devendo sua identificação ser feita em sede de ampla cognição, à vista do disposto no art.209, da Lei de Propriedade Industrial.

A concorrência desleal prevista no art. 209 da LPI é sorrateira e merece uma análise mais acurada, pois foge da sistemática usual dos tipos de concorrência já categorizadas na legislação, tanto assim, parafraseando o mestre Rubens Requião, “que sua própria denominação suscita controvérsia, pois a expressão concorrência tem sentido exato, o adjetivo desleal é obscuro, dependendo do vago conceito de deslealdade”.

Pois bem, conforme já explicado alhures, a Lei n.° 12.871, de 2013, que instituiu o Programa Mais Médicos, estabelece a sistemática de autorização dos cursos de medicina no Brasil, ficando a cargo do Ministério da Educação avaliar a conveniência e oportunidade de lançar os Editais de Chamamento Público, os quais são utilizados como critério para autorização do curso de Medicina. Nos termos o art. 3º da Lei n.° 12.871, de 2013, cabe ao Ministério da Educação estabelecer os critérios do edital de seleção de propostas para a obtenção de autorização do funcionamento do curso de Medina. Nesse caso, não existe nenhum regramento que preceda o edital, mas uma lei genérica que atribui ao MEC a prerrogativa de criar o edital de seleção da forma que melhor lhe aprouver.

A falta de regra prévia para o lançamento de Edital de Chamamento Público é uma clara forma de promover a concorrência desleal, pois os critérios estabelecidos podem inviabilizar totalmente a participação das mais diversas faculdades no país. Um exemplo objetivo disso é quando o edital cria uma pontuação para instituições que já possuam outros cursos na área da saúde ou o próprio curso de medicina, estabelecendo um critério que certamente discrimina uma instituição que justamente planeja entrar nos cursos da área da saúde.

O padrão decisório criado nos Editais de Chamamento Público ignora totalmente a concorrência ampla, estabelecendo critérios demasiados incoerentes com a própria Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública. Não custa lembrar que a Lei n. 12.871, de 2013 (Mais Médicos), prevê que o Edital de Chamamento Público deverá observar, no que couber, a legislação sobre licitações e contratos administrativos, ou seja, deverá render observância à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. 

É importante consignar que a Lei n.º 8.666, de 1993, estabelece que a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Como bem lecionava Hely Lopes Meirelles, “os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de tal sorte que os administrados, ao atuarem arrumados em decisão do Estado, devem presumir – salvo prova em contrário e fundadas as razões de suspeita – que o Poder Público, ao travar o liame, fez de modo juridicamente incensurável.”

Em escólio similar, Celso Antônio Bandeira de Melo faz uma importante ressalva, no sentido de que “a expressão ‘legalidade’ deve ser entendida como conformidade à lei e, sucessivamente, às subsequentes normas que, a título de cumpri-la, a Administração Pública expeça, adquirindo então um sentido mais extenso. Ou seja, é desdobramento de um aspecto do princípio da legalidade o respeito, quando da prática de atos individuais, aos atos genéricos que a Administração haja produzido para regular seus comportamentos ulteriores.”

Ora, ao estabelecer que a decisão de um processo administrativo licitatório levará em consideração, entre outros, os princípios básicos da legalidade e igualdade, não seria possível que um Edital de Chamamento Público estabelecesse critérios discriminatórios de participação, sobretudo porque o critério de escolha deve ser claramente impessoal e que prevaleça a isonomia entre as proposta, o que não acontece na prática.

Dessa forma, ao estabelecer parâmetros desproporcionais e que não encampem a isonomia de participação do processo de chamamento público para fins de autorização de novos cursos de Medicina, o Estado passa a criar um sistema predatório na oferta do referido curso, privilegiando claramente a chamada concorrência desleal genérica, prevista no art. 209 da LPI.

Por outro lado, no mesmo contexto, a Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, que suspende a abertura de novos cursos e pedidos de aumento de vagas em cursos de Medicina, também estabelece uma concorrência desleal genérica, pois inviabiliza de maneira arbitrária a participação de instituições de ensino superior diversas na oferta do curso de Medicina, contribuindo manutenção de um cenário de reserva de mercado que se constituiu há pelo menos três anos. Poucas instituições privadas ofertam o curso de Medicina e os grupos que ofertam mantém-se em um oligopólio quase inatingível.

Com é cediço, as causas típicas do aparecimento de mercados oligopolistas são a escala mínima de eficiência e características da procura, exatamente como acontece com os cursos de Medicina. Em tais mercados existe ainda alguma concorrência mínima, mas as quantidades produzidas são menores e os preços maiores do que nos mercados concorrenciais de outros cursos, ainda que relativamente ao monopólio as quantidades sejam superiores e os preços menores.

Isso implica dizer que, em virtude da pouca oferta e grande procura, os cursos de Medicina acabam sendo o fiel da balança na manutenção de toda uma instituição de ensino, sobretudo no período de pandemia da Covid-19, haja vista que discrepância valorativa do oferta do curso acaba por impactar nos demais cursos das instituições de ensino privada. Um grupo educacional que mantém um oligopólio na oferta de cursos de Medicina tem a possibilidade de se manter razoavelmente estável em um período de turbulência econômico-social, ao contrário de instituições que não ofertam tal curso.

Evidentemente que não há como supor que apenas as instituições que ofertem cursos de Medicina estejam incólumes às crises, mas há como garantir que a falta de concorrência nessa área implica na discrepância concorrencial e de manutenção de mercado. É justamente esse tipo de distorção que o Ministério da Educação deveria evitar, mas, ao contrário do que se imagina, acaba contribuindo ainda mais para a sua manutenção.

A comprovação do que foi dito é de fácil percepção, pois há um claro óbice do MEC na abertura de novos cursos de Medicina ou mesmo para pedidos de aumentos de vaga, fato este em que não se encontra qualquer amparo legou ou justificativa plausível advindo do poder público.  

Além do mais, conforme já explicitado, a Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, também estabelece um critério não isonômico para os pedidos de aumento de vagas, pois não apresenta justificativa técnica e nem critérios legais para permitir com que as Universidade públicas possam proceder com o aumento de vagas e as instituições privadas não possam sequer fazer o pedido de aumento. Trata-se de um critério ilegal que traça uma regra claramente arbitrária e injustificável.

Por todas essas circunstâncias, é clarividente que há um privilégio ilegal do MEC na manutenção de uma estrutura que mantenha a concorrência desleal para a oferta de cursos de Medicina no Brasil, impondo o efeito socioeconômico de uma externalidade negativa à toda população brasileira, que está claramente sendo penalizada em virtude da falta de profissionais da área médica para atuar no combate da pandemia da Covid-19, além de outras endemias sobejamente conhecidas no país.

Conclusão

Não restam dúvidas que o povo brasileiro vem passando por severas dificuldades em virtude da pandemia da Covid-19, sobretudo em função dos problemas de saúde pública que afloraram consideravelmente nesse período. Amiúde ao déficit de profissionais da área de saúde em todo o mundo, assim como divulgou a Organização Mundial de Saúde, resta claro que existe no Brasil um motivo legal e regulatório para a escassez de médicos, o que conota a existência de um mercado restrito e que impede o aumento da quantidade de médicos no país.

A falta de médicos no país está relacionada, dentre outras causas, à restrição legal da oferta de novos cursos de Medicina e de aumento de vagas dos cursos já existentes. Conforme explicado, o curso de Medicina segue um fluxo regulatório diferente dos demais cursos de graduação, devendo ser autorizado por meio de editais de chamamento público decorrente da Lei n.° 12.871, de 2018, que instituiu o chamado Programa Mais-Médicos.

Em virtude do que dispõe a Lei do Mais-Médico, passa a ser prerrogativa do Ministério da Educação estabelecer os critérios do edital de seleção de propostas para a obtenção de autorização do funcionamento do curso de Medina. Nesse caso, não existe nenhum regramento que preceda o edital, mas uma lei genérica que atribui ao MEC a prerrogativa de criar o edital de seleção da forma que melhor lhe aprouver. A falta de regra prévia para o lançamento de Edital de Chamamento Público é uma clara forma de promover a concorrência desleal, pois os critérios estabelecidos podem inviabilizar totalmente a participação das mais diversas faculdades no país.

Conforme explicitado, o padrão decisório criado nos Editais de Chamamento Público ignora totalmente a concorrência ampla, estabelecendo critérios demasiados incoerentes com a própria Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública. A Lei n.° 8.666, de 1993, ao estabelecer que a decisão de um processo administrativo licitatório levará em consideração, entre outros, os princípios básicos da legalidade e igualdade, não seria possível que um Edital de Chamamento Público estabelecesse critérios discriminatórios de participação, sobretudo porque o critério de escolha deve ser claramente impessoal e que prevaleça a isonomia entre as proposta. Não é essa a regra que é aplicada nos Editais de Chamamento Público, que passam a estabelecer critérios que privilegiam claramente a concorrência desleal na oferta de curso de Medicina no país.

Não bastassem as circunstâncias acima, o Ministério da Educação (MEC) editou a Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, que suspendeu por cinco anos a publicação de editais de chamamento público para autorização de novos cursos de graduação em Medicina, e o protocolo de pedidos de aumento de vagas em cursos de graduação em Medicina ofertados por instituições de educação superior. Em suma, o MEC suspendeu a abertura de novos cursos de medicina e novos pedidos de aumento de vagas dos cursos de medicina pelo prazo de 5 (cinco) longos anos, ou seja, até abril de 2023.

A referida Portaria estabelece aquilo que se chama de “concorrência desleal genérica”, pois inviabiliza de maneira arbitrária a participação de instituições de ensino superior diversas na oferta do curso de Medicina, contribuindo manutenção de um cenário de reserva de mercado que se constituiu há pelo menos três anos. Poucas instituições privadas ofertam o curso de Medicina e os grupos que ofertam mantém-se em um oligopólio quase inatingível.

Da mesma forma, a Portaria n.° 328, de 2018, estabelece que o pedido de aumento de vagas não se aplica para os editais de chamamento público, os quais já foram todos encerrados, e nem para as Universidades Federais, ou seja, as únicas entidades que podem solicitar o aumento de vagas. Nesse caso, a referida Portaria cria um critério não isonômico para os pedidos de aumento de vagas, pois não apresenta justificativa técnica e nem critérios legais para afastar uma diferenciação claramente arbitrária e injustificável. Por que só as Universidades Públicas podem pleitear o aumento de vagas nos seus cursos de medicina? Esse questionamento, por si só, já rechaça a falta de isonomia do Ministério da Educação, sobretudo diante das novas perspectivas legais.

Como é cediço, a Lei de Liberdade Econômica proíbe peremptoriamente que as Universidades Públicas tenham tratamento diferenciado das Instituições Privadas de Ensino, pois isso é compreendido como um ato que viola o direito essencial da pessoa jurídica no desenvolvimento e crescimento econômico do país, nos termos do art. 3º, IV, da Lei n.° 13.874, de 20 de setembro de 2019.

Analisando detidamente as regras regulatórias do ensino superior, é possível constatar claramente que o sistema de autorização de cursos de Medicina no Brasil estabelece uma circunstância nefasta, pois adentra na seara da reserva de mercado e, por via de consequência, na clara concorrência desleal por vezes imperceptível e criada por um sistema que é feito para privilegiar poucas instituições de ensino superior.

Os atos legais subjacentes, tal como a Portaria n.° 328, de 2018, resguardam a manutenção dessa clara reserva de mercado, pois restringe a oferta e o aumento de vagas, privilegiando a concentração dos cursos de Medicina e criando uma rotina de concorrência desleal disfarçada. 

Importa novamente constatar que não há como supor que apenas as instituições que ofertem cursos de Medicina estejam incólumes às crises, mas há como garantir que a falta de concorrência nessa área implica na discrepância concorrencial e de manutenção de mercado. É justamente esse tipo de distorção que o Ministério da Educação deveria evitar, mas, ao contrário do que se imagina, acaba contribuindo ainda mais para a sua manutenção.

Em face das considerações acima, pode-se inferir claramente que Portaria n.° 328, de 5 de abril de 2018, exarada pelo Ministério da Educação, está eivada de vícios que inquinam de morte a sua legalidade, além de criar uma séria distorção na oferta de cursos de medicina no país, sobretudo porque acaba por estimular a concorrência desleal disfarçada e a concentração na oferta do referido curso, prejudicando sobremaneira à sociedade em um período em que o médico é extremamente necessário.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008, V. 1.